quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Lei Maria da Penha: alguns elementos para reflexão

Introdução

A violência contra as mulheres é um dos problemas sociais (de gênero) que ocupa maior espaço na agenda dos movimentos feministas. Isto tem a ver com o elevado índice de espancamentos e de morte de mulheres vítimas de um tipo de violência que é fruto de uma organização social que subordina as mulheres e desvaloriza o que é feito por elas.
Dados de 2004 mostram que 2 milhões de mulheres são espancadas a cada ano por maridos ou namorados, atuais e antigos. E dados mais recentes evidenciam que a cada 15 segundos uma mulher é agredida. Em Pernambuco, de janeiro a junho de 2006, cerca de 170 mulheres foram assassinadas. No Distrito Federal em duas semanas 07 (sete) mulheres foram assassinadas, correspondendo 1 (uma) morte a cada 2 dias.
Frente a essa contextualidade, as mulheres têm unido forças no sentido de mobilizar o Estado e a sociedade para enfrentar o fenômeno da violência contra as mulheres entendendo-a enquanto uma violação dos direitos humanos.
Parece existir um consenso acerca da necessidade de políticas públicas ou “políticas focalizadas” de combate à violência contra as mulheres, como as Delegacias Especiais, as Casas Abrigos, os Centros de Referencias e a Lei Maria da Penha (Lei 11.340).
Porém, existem grandes divergências sobre o conteúdo destas políticas e sobre a forma como as mesmas vem sendo implementadas pelos governos. Entre as políticas mais polêmicas, destaca-se a Lei Maria da Penha. Não existem consensos sobre a mesma nem entre as feministas e nem no interior dos partidos.
Heleieth Saffioti, socióloga marxista, é uma das feministas que vem se posicionando contraria a Lei Maria da Penha. Vejamos um trecho da entrevista publicada em A Gazeta de Cuiabá (MT), em 28/11/07:
A Gazeta - Porque a senhora é contrária a Lei Maria da Penha?

Heleieth - Me aponte um prisioneiro que tenha saído melhor da cadeia do que quando entrou. A cadeia é uma escola de pós-graduação para o crime. Não queremos a igualdade social com os homens? Nós não queremos mandar nos homens e tampouco que o mando masculino continue. Se eu proponho a reeducação da vítima e do agressor estou muito mais no caminho da igualdade do que se eu botar o cidadão na cadeia. Essa minha idéia de ressocializar a mulher e o homem é muito mais antiga que a Lei Maria da Penha e me incomodava demais ter serviço de atendimento apenas para as mulheres e não para os homens e aí eu falava muito nisso e escrevia.

A Gazeta - A senhora acha que penas mais duras não coibem a prática de crimes?

Heleieth - Se fosse assim nos Estados Unidos, os estados que têm a pena de morte seriam os que apresentariam os índices de criminalidade mais baixos, entretanto não é assim. E não há uma correlação positiva entre maior criminalidade e penas mais duras, como não há o inverso também.

Enquanto no seu Programa o PSOL exige “cadeia aos agressores”, percebemos que no interior da nossa corrente não parece existir consensos acerca desta proposta. Nas listas de discussões da juventude e também em debates na Bahia, a questão vem sendo pautada, com questionamentos semelhantes ao de Saffioti, o que está bem sistematizado no texto “Lei Maria da Penha: avanços, retrocessos e limitações”.
Se por um lado concordamos com algumas criticas apontada sobre a Lei, por outro lado avaliamos como muito importante ter um instrumento que nos permita prevenir e coibir a violência contra as mulheres. Desta forma, nos perguntamos: Como nos posicionar? Defenderemos a Lei Maria da Penha ou a negaremos? Defenderemos a Lei, mas faremos algumas criticas? Se sim, quais? O problema está na lei ou na ênfase que frações dos movimentos feministas vêm dando a mesma? Este texto busca dar início a este debate.
A Lei 11.340 ou Lei Maria da Penha
Um dos casos de violência contra as mulheres que teve maior expressão política foi o de Maria da Penha Maia Fernandes, uma biofarmacêutica cearense, que aos 38 anos ficou paraplégica, devido a um tiro que levou nas costas, disparado por seu companheiro, o professor universitário Marco Antonio Heredia. Este cumpriu apenas 02 anos de prisão e após muita luta. O caso adquiriu repercussão internacional e Maria da Penha se tornou símbolo do movimento contra a violência doméstica e familiar!
Após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional a Lei Maria da Penha começou a vigorar em setembro de 2006. Esta lei cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres e compreende três ações que demanda compromisso governamental no sentido de destinar os recursos necessários para sua pela efetivação:
• apoio aos serviços especializados no atendimento às mulheres em situação de violência (centros de referência, casas abrigos etc);
• capacitação de profissionais para o atendimento às mulheres em situação de violência;
• Incentivo à formação e ao fortalecimento das redes de cidadania;

Para a implementação da Lei Maria da Penha, a União, os estados e municípios têm de compartilhar responsabilidades na criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres (art. 1º da Lei 11.340/06). E é impossível assumir estas responsabilidades sem novos recursos. Tanto que a própria Lei prevê que a União estabeleça dotações orçamentárias específicas em cada exercício financeiro para a implementação das medidas estabelecidas (art. 39 da Lei 11.340/06).

O Governo Lula e a Lei Maria da Penha
No primeiro dia em que a Lei entrou em vigor no país, as militantes feministas e dos movimentos de mulheres foram surpreendidas com a triste constatação de que o Projeto de Lei Orçamentária Anual para 2007 (PLOA-2007), encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, reduziu em 42% os recursos para o Programa de Combate à Violência contra as Mulheres, uma das principais fontes de financiamento da política nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres.
A proposta orçamentária do Governo Lula não previu um acréscimo substantivo de recursos para o enfrentamento da violência contra as mulheres, descumprindo a Lei. Para fazer valer as poucas conquistas alcançadas, os movimentos feministas têm que enfrentar o desafio de “fazer com que os recursos a serem alocados para as ações previstas nos próximos anos sejam, de fato, executados”, pois, segundo o Jornal do CFEMEA
“Mesmo depois do anúncio de todas as medidas de combate ao problema, a execução orçamentária do programa de Combate à Violência contra as Mulheres, que reúne as principais ações para colocar em prática a Lei Maria da Penha no âmbito do Executivo, chegou, a menos de um mês do fim do ano, a 56,68% do valor autorizado na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2007. No início de agosto, quando a execução chegava a apenas 6%, a ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), Nilcéia Freire, garantiu publicamente que os R$ 23 milhões previstos na LOA seriam todos executados.
Segundo informações da SPM, até 10 de dezembro, o orçamento liberado para movimentação e empenho para todas as suas atividades foi de R$ 26.681.396,00, incluindo as atividades de caráter administrativo. Para o programa de Combate à Violência contra a Mulher foram R$ 16.247.140. Desse total, 86,2% já haviam sido executados até a mesma data.

O Movimento Feminista, o Governo Lula e a Lei
Atualmente, em muitos estados brasileiros, o movimento de mulheres vem realizando a Vigília pelo Fim da Violência contra as Mulheres e divulgando a Lei Maria da Penha. Porém, muitas vezes, este espaço de mobilização e denúncia não toca na questão orçamentária. Esse silêncio de determinadas frações do movimento feminista faz parte dos acordos que buscam preservar a imagem do Governo Lula.
Frente à opção política do Governo Lula em não destinar recursos para que uma política realmente eficaz seja capaz de combater a violência contra as mulheres na suas raízes através de atividades educativas, algumas frações do movimento feminista brasileiro, partidário (PT, PCdoB, PMDB e PSB) e não partidário (ligados às ONGs) – base do Governo Lula – vem dando ênfase apenas ao aspecto punitivo da lei.
Mas, outros agrupamentos, vêm destacando a necessidade de desenvolver campanhas educativas, inclusive voltadas para os homens, por meio de palestras, leituras dirigidas. Alguns trabalhos desse tipo já foram utilizados na França, Estados Unidos, Costa Rica, México e de forma pontual nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul.
A APS/PSOL e a Lei Maria da Penha
Concordamos com Saffioti, quando defende que:
“As pessoas envolvidas na relação violenta devem ter o desejo de mudar. É por esta razão que não se acredita numa mudança radical de uma relação violenta quando se trabalha exclusivamente com a vítima. Sofrendo esta algumas mudanças, enquanto a outra parte permanece o que sempre foi, mantendo seus hábitos, a relação pode inclusive tornar-se mais violenta. Todos percebem que a vítima precisa de ajuda, mas poucos vêem esta necessidade no agressor. As duas partes precisam de auxílio para promover uma verdadeira transformação da relação violenta” (Heleieth Saffioti)

Por isso, avaliamos que a ênfase que o Programa do PSOL deu ao aspecto repressivo da violência contra as mulheres precisa ser discutida no interior do partido. Para tanto, temos que participar dos setoriais de mulheres já existentes em alguns Estados, fundar outros e criar espaços de debates e de formulação sobre esta e outras questões.
Dentro da nossa corrente temos que fazer o debate com os companheiros e companheiras porque consideramos que a adoção de uma lei integral é um importante instrumento para o enfrentamento da violência. É preciso tornar a Lei Maria da Penha e a questão da violência de gênero conhecidas por todos, formular sobre ambas e apoiar campanhas de combate à violência contra as mulheres, como a Campanha do Laço Branco.

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